Em nome do SINASEFE Natal, a pedagoga Nina Souza, servidora do Campus Natal-Central, prestou uma singela homenagem póstuma à servidora aposentada Maria Enilda de Sá Leitão de Brito, que faleceu em 10 de maio de 2016. No dia 02 de junho, no evento de comemoração dos aniversariantes aposentados do IFRN, Nina leu uma mensagem sobre a rica trajetória de Dona Enilda, que contribuiu de forma relevante para o Instituto. Confira a homenagem abaixo:

“Quando fui convidada para falar um pouco sobre dona Enilda, não relutei. Aceitei de imediato.
Existem pessoas que vivem tão plenamente seus dias, que se torna fácil demais falar sobre elas.

Decidi que introduziria minha fala destacando parte de um texto do Livro de Eclesiastes que gosto muito:

“Tudo neste mundo tem o seu tempo; cada coisa tem a sua ocasião. Há tempo de nascer… Tempo de plantar e tempo de arrancar…Tempo de abraçar.”

O tempo de dona Enilda se afastar e de se tornar uma estrela, veio como, normalmente, vêm as chuvas de verão: rápidas, mas nem sempre leves; sabe-se que podem chegar a qualquer momento, entretanto não é possível indicar dia nem hora.

Engana-se quem pensa que ela não tinha consciência da finitude da vida, da sua, em especial. Em razão disso, do alto dos seus 80 (oitenta) e poucos anos, dizia aos seus amigos mais próximos que era tempo de falar das coisas que sentimos na velhice, principalmente, sobre o esquecimento dos outros em relação à memória de vida das pessoas idosas; sobre as falhas da própria memória em razão do tempo vivido e dos sentimentos que nos envolvem quando pensamos em nossa morte e na das pessoas que amamos.

Em razão dessa consciência do tempo vivido, dona Enilda se tornou militante, no sentido mais nobre da palavra, na defesa dos direitos dos idosos. Era comum se indignar, fortemente, quando percebia que esses direitos não estavam sendo respeitados.

Ao falar de dona Enilda, jamais se pode deixar de enfatizar o seu sentimento de pertencimento à Escola, que se manteve inalterado durante todos esses anos pós-aposentadoria, que se deu em 1991. Acompanhava, mesmo não estando perto, as inúmeras mudanças que atingiram esta instituição. Sabia quase tudo o que aqui ocorria.

Esse seu apego à instituição lhe trazia certo sofrimento quando sentia que ela própria não reconhecia mais a sua antiga escola, bem como já não era por ela reconhecida como antigamente. Quando andava em seus corredores, quando entrava em alguns setores nem sempre se sentia mais parte desse lugar.

A cada notícia de partida dos antigos colegas, pessoas com quem dividiu alegrias e dificuldades, era invadida por momentos de muita tristeza.

Aqueles que tiveram privilégio de conviver mais intimamente com ela sabem que era uma excelente contadora de histórias sobre esta instituição, pois a maior parte dos seus relatos dizia de si mesma.

Lembro-me, como se fosse hoje, do primeiro contato que mantive com dona Enilda, no dia 18 de maio de 2010, quando liguei para a sua casa solicitando uma entrevista. Naquele momento, eu havia iniciado uma pesquisa sobre a presença das mulheres na Escola Industrial de Natal. Sem nenhuma referência anterior sobre a minha pessoa, ela agendou o nosso primeiro encontro para três dias depois daquela solicitação. Assim, no dia 21 de maio de 2010, ocorreria o primeiro de muitos outros encontros. A necessidade de entrevistá-la foi algo que se impôs após ter realizado outras tantas entrevistas com ex-alunos e ex-professores da Escola Industrial e da ETFRN. Nestes depoimentos, seu nome aparecia junto ao da professora de Canto Orfeônico, Lourdes Guilherme, como parte do grupo de mulheres que mais se destacaram em uma importante época da Escola.

Eles tinham razão: como dona Enilda conhecia esta Escola! Como viveu seus problemas, seus desafios. Como realizou intervenções!

Sua coragem nos enfrentamentos cotidianos era uma de suas características mais evidenciada pelos colegas. Nesse sentido, não era mulher de mandar recados, de rodeios, era de dizer sem meias palavras aquilo que não concordava. Nesse ponto, aqueles que conviveram mais de perto com ela tem muitas histórias a contar.

Era o que poderia se dizer: uma mulher que crescia por meio das palavras e da escrita. E como desenvolveu bem essas duas habilidades e como sabia fazer bom uso delas.

A palavra – na defesa do que pensava e acreditava, principalmente, dos interesses da escola e dos seus alunos;

A escrita, sempre elegante, era a materialização do que queria deixar registrado dessas palavras.

Suas primeiras aproximações com a Escola Industrial se daria durante a sua juventude. Nesse período de sua vida, residiu na Av. Rio Branco – próximo ao prédio desta instituição. Fazia questão de assistir às festas de São João organizadas pela professora de Canto Orfeônico, Lourdes Guilherme.

O tempo da ação profissional de dona Enilda nesta instituição teria seu inicio em 1964, quando foi contratada para realizar atividades inerentes ao cargo de secretária, função em que permaneceria por longos anos. Posteriormente, assume o cargo de Chefe de Gabinete em diversas gestões, fato que marcaria, profundamente, a sua trajetória profissional.

O seu trabalho no Gabinete é algo de conhecimento de todos, mas convém fazer algumas referências.

Sem um Serviço Social organizado, ampliavam-se as demandas neste setor como, por exemplo, problemas relacionados aos alunos e suas famílias, ao comportamento disciplinar – todos esses assuntos eram tratados no Gabinete. E como dona Enilda intervinha!!!

Lições de humildade e poder de adequação a situações novas – da Chefia de Gabinete para uma ação com igual comprometimento no Almoxarifado, é algo revelador de sua personalidade e comprometimento profissional. Depois, a continuação do seu trabalho na antiga Delegacia do MEC e retorno para a escola tempos depois – onde passaria a atuar na Coordenação de Integração Escola Empresa (CIE-E).

Conversar com ela era certeza de acesso à história desta Instituição, com detalhes que poucos conheciam.

Quando um dia lhe indaguei sobre a possível razão de apenas uma mulher ter assumido o cargo de Diretora da Escola, ela não pensou duas vezes e me respondeu: “falta de organização nossa, minha filha”.

Um dos aspectos que gostava de destacar dizia respeito ao que denominava de “mentalidade então existente na sociedade natalense” e, sobre esta instituição, ela resumia assim: para muitos era uma “Escola para os filhos dos pobres”.

Acompanhou, como bem dizia, o processo de alteração dessa visão a partir de significativas mudanças no perfil social dos alunos, algo que acreditava ter ocorrido desde a criação dos cursos técnicos e da aprovação dos alunos da escola no vestibular – o que lhes garantiam o acesso a Universidade.

MULHER DE POSIÇÕES FIRMES: enquanto este novo segmento passou a festejar os alunos aprovados no vestibular, ela fazia questão de assinalar: “eu não fazia parte dessas comemorações. O que me alegrava era quando a escola conseguia garantir estágios para os seus alunos”.

SOBRE OS ALUNOS, dizia: “fazem parte da minha vida. Eles são a melhor parte. Sempre foram muito atenciosos. Sinto que me realizava com o trabalho voltado para o atendimento de suas dificuldades. Ser reconhecida, além dos muros da escola pelos ex-alunos, sempre foi motivo de muitas alegrias para mim”.

QUANTO AOS COLEGAS PROFESSORES, era taxativa e econômica em seus comentários – dizia: “nunca senti nenhuma dificuldade em trabalhar com eles. Construí muitas amizades que duraram além do tempo do trabalho na escola”.

Em razão dessa rica trajetória, dona Enilda pôde acompanhar intensamente o processo de mudanças ocorridos nesta instituição, sobretudo, no que se refere às representações, o valor social desta casa para a comunidade, ou seja, de uma “escola vista como reformatório para os meninos pobres, desprovidos de civilidade” para uma escola de formação humana integral, de qualidade social, que se firmou como uma das principais instituições de ensino técnico da Rede Federal.

Enfim, por acreditar que as pessoas, mesmo quando deixam de respirar, mantêm-se vivas enquanto estiverem presentes na memória daqueles que a conheceram, dona Enilda viverá em cada um de nós que aprendeu a amá-la, a lhe querer bem, mesmo agora depois de ter partido para nunca mais voltar.

A experiência que vivenciei com dona Enilda, confirma a importância de se preservar a memória desta instituição por meio das pessoas que ajudaram a construir o que hoje somos!”

Nina Maria Sousa

Natal (RN), 02 de junho de 2016.